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O QUE ANTES ESTAVA LIVRE AO MAR


iBassini

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O QUE ANTES ESTAVA LIVRE AO MAR
POR MICHAEL LUO

Com os tornozelos acorrentados a um poste de madeira e os pulsos amarrados com uma corda grossa, o prisioneiro mantém a cabeça erguida. O sangue escorre pelo seu rosto e desce pela escura túnica noxiana, formando pequenas poças vermelhas entre os dedos descalços. Sobre ele, o céu manchado de cinza e azul parece indeciso entre uma cor e outra.

Uma cerca de estacas altas e irregulares circunda o prisioneiro. Enquanto isso, soldados nas proximidades fazem uma ronda pelas tendas. Seus passos levantam poeira, sujando as botas que certamente limparão antes de se apresentarem a seus comandantes. Nos últimos dias, o prisioneiro andou observando o comportamento disciplinado dos soldados. E era diferente de tudo que já tinha visto.

Por todo o acampamento, bandeiras de um azul-marinho radiante tremulam ao sabor do vento, exibindo a imagem de uma espada entre duas asas abertas: o brasão de Demacia.

Há pouco tempo, eram as bandeiras pretas e vermelhas de Noxus que tremulavam aqui. O prisioneiro ainda lembra de suas ordens: retomar Kalstead pela glória do império.

Ele falhou.

E sabe quais são as consequências. A guerra não perdoa falhas. Essa é a verdade que ele está preparado para aceitar. Por ora, ele aguarda seu destino. Na primeira vez que foi feito prisioneiro, ele perdeu seu lar. Mas, desta vez, perderá muito mais.

Ele fecha os olhos e se deixa inundar por mais lembranças. Se lembra de dois homens. Um deles era seu mestre, que tinha transformado um garoto arrancado de seu lar em um lutador das arenas dos Desafiadores. O outro era um estranho, que alegava ter vindo a serviço dos interesses do império. Um aperto de mão depois e ele foi enviado para Kalstead, que ficava no oeste, aos pés das Montanhas Prateadas.

Não houve despedidas, nem desejos de boa sorte. Mas ele não estava sozinho. Outros como ele ficaram conhecidos em Noxus como os “soldados do infortúnio". Guerreiros renegados, enviados para realizar tarefas que não mereciam a atenção de soldados treinados. Poucos tinham a chance de se opor à ganância de seus mestres, ávidos em vendê-los para os militares pelo preço certo.

"Você não parece ser de Noxus", alguém exclama, interrompendo o momento de reflexão do prisioneiro.

Ele abre os olhos e vê um demaciano parado do outro lado da cerca. Seu traje é composto por tecidos marrons e azuis cobertos por uma cota de malha e uma espada curta pendurada na cintura. Ele se porta como um líder, pensa o prisioneiro, porém um líder iniciante.

"Qual o seu nome?", pergunta o soldado.

O prisioneiro pensa. Será que a resposta decidirá seu destino?

"Xin Zhao", responde ele, com a voz rouca e seca.

"Como?"

"Xin. Zhao."

"Não parece um nome noxiano", diz o soldado, pensando alto. "nomes noxianos são ríspidos, tipo… Boram Darkwill". Ele pronuncia as palavras com um tremor.

Xin Zhao não responde. De que adianta ter essa conversa antes de ser executado?

"Já chega, Sargento-Escudo", diz uma demaciana. O olhar sério da jovem oficial demanda a atenção do sargento. Ela usa uma armadura prateada com fios de ouro adornando as ombreiras. Uma capa azul escorrega pelas suas costas.

"Não perca seu tempo conversando com noxianos", aconselha ela. "Eles não compartilham das nossas virtudes."

O sargento concorda com a cabeça. "Sim, Capitã-Espada Stemmaguarda. Mas, se me permite perguntar…"

A capitã balança a cabeça em autorização.

"Por que ele não está com os outros?"

Ela olha para o prisioneiro com seus olhos azuis cheios de desprezo.

"Porque ele tirou mais vidas do que os outros."

 

 


 

 

 

Xin Zhao acorda com os sons das cornetas. Ele senta-se na lama e chuta o solo úmido com os pés dormentes. Apoiando as costas contra o poste, ele se esforça para levantar e vê o sargento do dia anterior se aproximar, acompanhado de mais quatro soldados em trajes semelhantes. Eles abrem o portão do curral e o sargento entra na frente, carregando uma bandeja com uma tigela de sopa quente.

"Bom dia. Meu nome é Olber e esta é minha unidade de vigília", diz o sargento. "Aqui está seu café da manhã, Zen Jaw."

Xin Zhao observa enquanto ele deixa a bandeja no chão. Como alguém pode errar completamente duas únicas sílabas?

Com imensa agilidade, um dos guardas demacianos corta a corda que prende os pulsos de Xin Zhao. O sargento e os outros aguardam por perto, com as mãos descansando sobre os punhos de suas espadas.

"Vá em frente, pode comer", diz Olber.

Xin Zhao levanta a tigela. "Mandaram cinco de vocês."

"Seguimos as ordens da capitã", explica Olber. "Afinal, ela é uma Stemmaguarda. E são eles que cuidam da segurança do próprio rei."

Os outros guardas se entreolham e concordam com a cabeça.

"É, o pai dela salvou o último Jarvan no Pico da Tempestade", diz um deles.

"Qual Jarvan era esse?”, pergunta outro.

"O segundo. Estamos no terceiro agora."

"Você quer dizer Rei Jarvan, o Terceiro", diz Olber abruptamente. "O seu rei. E o meu. Você devia ser mais respeitoso, considerando que ele veio pessoalmente até aqui conosco."

Eles admiram muito seu rei, observa Xin Zhao. Enquanto os soldados continuam a conversar, ele bebe a sopa, um gole de cada vez, ouvindo a conversa com atenção. Eles falam de como os noxianos foram tolos em se aventurar até aqui, de como foi fácil ajudar Kalstead e de como eles triunfaram em nome da justiça.

Fomos mandados até aqui para morrer, percebe Xin Zhao. Ele aperta a tigela com tanta força que ela quebra e a madeira se despedaça em suas mãos.

Os demacianos viram-se para ele. Olber olha para Xin Zhao. "Mãos."

Xin Zhao oferece as mãos com as palmas para cima.

"Você apanhou um bocado", repara Olber, amarrando os pulsos de Xin Zhao com outra corda. Os guardas se aproximam. Eles veem inúmeras cicatrizes, serpenteando feito rios pelo corpo dele. Xin Zhao acompanha o olhar deles. Ele não sabe mais dizer de onde vêm as cicatrizes. Foram muitas batalhas travadas, e pouquíssimas mereciam ser lembradas.

"Essas marcas não são recentes", observa um dos guardas.

"Tem razão", diz Xin Zhao. Sua voz calma e penetrante chama a atenção dos guardas. Por um instante, eles ficam parados, olhando para ele como se ele não fosse mais um prisioneiro qualquer.

"O que você fazia em Noxus?", pergunta Olber.

"Eu lutava nas arenas", responde Xin Zhao.

"Um Desafiador!", exclama um guarda. "Já ouvi falar desses selvagens. Eles lutam até a morte diante de milhares de pessoas!"

"Nunca ouvi falar de nenhum Desafiador chamado Zen Jaw", murmura outro.

"Será que ele não era bom? Será que é por isso que está aqui todo arrebentado e amarrado?"

"Calma aí", interrompe Olber. "Vocês Desafiadores não usam nomes diferentes nas arenas?"

Xin Zhao quase deixa escapar um sorriso. Esse demaciano é mais esperto do que parece. Todos sabem, até fora do império, que os Desafiadores costumam ser criativos na escolha dos nomes. Alguns preferem ser extravagantes. Outros têm algo a esconder. No caso de Xin Zhao, a escolha foi para lembrar da vida que ele tinha antes de ser levado embora.

"Viscero", disse um dos guardas, segurando um pedaço de pergaminho desenrolado. "Foi assim que o outro noxiano chamou ele."

Olber puxa o pergaminho. E examina com atenção. Alguns segundos depois, ele olha para Xin Zhao. "Você é o Desafiador."

Silêncio. Alguns raios de sol cortam o céu cinzento.

"Viscero", repete Olber, em tom de admiração. "Aquele que nunca perdeu."

Os guardas se entreolham. Depois, juntos, eles encaram Xin Zhao com olhares surpresos.

"Sei quem você é!", diz um guarda.

"Você não derrotou um minotauro?", diz outro.

Olber levanta a mão e encerra o falatório. "Por que você disse que seu nome era Zen Jaw?", pergunta ele.

Xin Zhao suspira. "Quando eu virei um Desafiador, Xin Zhao deixou de existir. Para que eu fosse apenas Viscero." Ele olhou para os seus pulsos amarrados, seus tornozelos acorrentados, e depois de volta para os demacianos. "Pelo tempo que ainda me resta, prefiro usar meu verdadeiro nome."

"Mas o que um Desafiador famoso veio fazer nas guerras territoriais de Noxus?", pergunta Olber novamente.

"Fui trazido", responde Xin Zhao, "pelo exército." Explicar tudo isso lhe parece muito estranho. Ele sempre pensou que seus últimos momentos seriam breves, que estaria na arena, ferido por uma lança ou uma espada; não tomando sopa quente e respondendo perguntas sobre seu passado.

Seria o destino tentando mostrar uma última simpatia?

Olber parecia confuso. "Você não teve escolha", diz ele.

Xin Zhao balança a cabeça.

"Você tem família em Noxus?"

Xin Zhao pensa por um instante, e depois balança a cabeça de novo. Ele não sabe se tem família, em nenhum lugar.

"Bom, então acho que isso pode ser um novo começo." Olber acena para um guarda, que puxa uma chave e começa a soltar Xin Zhao.

Xin Zhao entorta a cabeça, sem entender. "Como assim?"

Olber sorri. "Venha se vestir."

 

 


 

 

 

Xin Zhao veste a nova túnica que lhe foi dada. O tecido demaciano é macio na pele. Ele olha em volta da tenda, contando as camas de palha e as tigelas vazias de sopa. Palavras de gratidão chegam aos seus ouvidos. Ele reconhece as vozes roucas. Vozes que vinham de outros que, horas atrás, eram prisioneiros como ele.

Um a um, eles se levantam de suas camas e agradecem aos curandeiros que trataram seus ferimentos. Demacianos armados entram na tenda. Xin Zhao observa os prisioneiros serem escoltados. Ele os conhece bem, pois marchou ao lado deles até Kalstead. Durante a jornada, eles passaram grande parte do tempo tentando superar uns aos outros com demonstrações de força. Os vitoriosos celebravam seu poder e os derrotados eram humilhados. Os mais exaltados se gabavam em alto e bom som, e diziam quantos soldados demacianos pretendiam matar. Isso foi antes de ficarem cara a cara com um exército de verdade.

Não houve batalha. Talvez os militares noxianos, com suas legiões e armas de cerco, tivessem se saído melhor. Mas eles não eram soldados. Eles eram recrutas, sem treinamento formal de combate, enfrentando um reino unificado. Em poucas horas, Kalstead celebrava seus salvadores.

Fomos enviados aqui para morrer, relembrou Xin Zhao. No entanto, por força do destino, eles ainda estavam vivos. Não pela vontade de Noxus, mas pela de Demacia.

O destino sopra como os quatro ventos, já diziam os anciões de sua terra, e nenhum homem conhece seu curso até navegar por ele.

Uma velha curandeira se aproxima. Suas vestes claras combinam com as dos outros que trabalham na tenda. "Como se sente, rapaz?", pergunta ela.

"Estou bem", responde Xin Zhao. "Obrigado."

"Não me agradeça. Agradeça ao rei. Foi seu decreto real que determinou que todos os prisioneiros fossem cuidados e tratados."

"O terceiro Jarvan?" Esse rei de novo. Como um único homem pode inspirar tanta gente?

"Sim, nosso grande Jarvan Terceiro", corrige ela. "Ele te deu a chance de recomeçar. De encontrar paz."

Xin Zhao olha para baixo com as mãos cruzadas. Viscero sempre teria lugar nas arenas. E com certeza, em qualquer lugar, o povo de Valoram valorizaria sua força. Sua terra natal — as Primeiras Terras do além-mar que ele não via há décadas — hoje eram tão estrangeiras para ele como qualquer outra.

Onde ele encontraria paz? Será que ele queria paz?

Não, ele não tinha mais chance de encontrar paz, pois ela tinha se perdido no momento que ele tirou a primeira vida de outro e foi recompensado com sua própria sobrevivência.

Xin Zhao vira-se para a curandeira. "Eu poderia fazer uma pergunta?"

"O que é, rapaz?"

"Esse rei de vocês. Quem é ele?"

A curandeira ri. "Por que não vê com seus próprios olhos?"

 

 


 

 

 

Xin Zhao estava atrás de Olber, cercado por quatro guardas. Caminhando pelo acampamento, ele observa as tendas, vendo soldados demacianos empacotando seus pertences e capitães planejando a próxima missão. Diziam que em algum lugar, a uma semana de distância, outra batalha contra Noxus estava para começar. Xin Zhao se pergunta se é para lá que todas essas pessoas vão, seguindo um rastro de conflitos, consertando tudo por onde passam. Eles parecem atender a um chamado superior, algo mais forte que a força, e talvez mais precioso também.

Ele imagina qual deve ser a sensação de ter tanta convicção em um coisa a ponto de sacrificar a própria vida por isso. Muitas vezes, na arena, sua vida não significou nada. Agora, ela vale uma audiência com um rei.

"Parece que você é o último", diz Olber, parando a escolta e apontando para frente.

Xin Zhao segue o dedo do sargento e vê uma tenda maior do que todas as outras. As mesmas bandeiras azuis adornam o forro. Guardas em armaduras reluzentes estão posicionados em duas filas paralelas na entrada. Ele vê um homem com tatuagens noxianas no rosto e no pescoço sair apressado carregando uma trouxa. O homem agradece com a cabeça várias vezes antes de um dos guardas levá-lo,e é imediatamente substituído por outro na mesma posição.

"Essa é a tenda do rei", diz Olber. "Nós ficamos aqui. Você entra, se ajoelha, aceita as provisões oferecidas pelo rei e depois nós vamos te buscar."

O sargento sorri. "O rei disse que depois de estar em sua presença, você será livre... mas você ainda precisará de nós para sair. Este acampamento é comandado pela Capitã Stemmaguarda e ela não vai permitir que um combatente inimigo ande por aí sozinho. Não até estar bem longe de Kalstead."

Xin Zhao acena com a cabeça e segue em direção à tenda.

"O rei dá boas-vindas a Viscero!"

A voz que o anuncia é profunda e polida. Xin Zhao entra. Dentro da tenda, ele se ajoelha sobre a perna direita e abaixa a cabeça. O chão está coberto por um tecido bordado com imagens de cavaleiros alados e guerreiros em armaduras.

"Pode olhar para cima", diz outra voz. Xin Zhao levanta a cabeça e vê de onde vem a voz. Vem de um homem, pouco mais velho que ele, sentado em uma cadeira de carvalho elevada. Ele usa uma armadura radiante banhada a ouro e adornada com pontas de ébano. Sobre sua cabeça, há uma coroa enfeitada com joias. Em sua mão direita, repousa uma grande lança de aço, com pontas afiadas como os dentes de alguma fera extraordinária.

Eis o rei deles, pensa Xin Zhao. Ele olha atentamente, sentindo o ar majestoso do homem, associado a uma presença física e bruta que ele não esperava.

À esquerda do rei, está a Capitã-Espada Stemmaguarda, tão altiva quanto da primeira vez que Xin Zhao a viu.

À sua direita, vestindo uma túnica real, há um garoto. Ele está sentado em sua própria cadeira de carvalho, balançando suas botas de couro. É impossível não notar a semelhança entre os dois. Ambos com narizes pronunciados e mandíbulas quadradas. Mais dois guardas cercam os três, cada um segurando uma lança apontada para cima.

"Viscero é um nome bem incomum", diz o Rei Jarvan III. "De onde vem?"

Xin Zhao olha para baixo, pensando em como deve responder.

"Responda quando o rei se dirigir a você", ordena a Capitã-Espada.

"Calma, Tianna", diz o rei levantando levemente a mão. "Ele deve estar assustado com os últimos acontecimentos. Podemos ter paciência com ele, não é mesmo?"

A Capitã-Espada abre a boca, mas não diz nada, preferindo acenar brevemente com a cabeça.

"É uma homenagem à minha casa", responde Xin Zhao.

"É mesmo?", diz o rei, intrigado. "Estudei muito sobre Noxus, mas nunca ouvi falar de um lugar chamado Viscero."

"Não é bem um lugar, mas uma lembrança… apesar de seu significado ter mudado em Noxus."

"Ah", diz o rei, olhando rapidamente para o filho, "as lembranças da infância são tão—"

"Mas este não é meu verdadeiro nome."

"Como ousa interromper o rei?", brada a Capitã-Espada. Sua mão aperta o cabo da espada.

Xin Zhao abaixa a cabeça. Então escuta uma gargalhada, espontânea e sincera. De novo, a voz de Jarvan III.

"Você é o primeiro a deixar Tianna tão alterada hoje", diz o rei. "Foi a primeira batalha dela à frente da Vanguarda Destemida, embora não tenha sido uma grande batalha, você deve concordar."

Ele dá um tapinha no ombro do jovem príncipe, que permanecia quieto, observando o pai com atenção. "Por favor", diz o rei. "Conte a sua história, Viscero, cujo verdadeiro nome ainda não me foi revelado."

Ainda olhando para baixo, Xin Zhao respira fundo. "Meu nome de nascença é Xin Zhao, escolhido pelos meus pais, a quem não vejo desde criança. Eles podem estar vivos ou mortos... eu não sei."

Ele engole em seco. "Eu nasci em um lugar chamado Raikkon, uma aldeia litorânea nas Primeiras Terras, que as pessoas aqui chamam de Ionia. Passei a infância em um barco de pesca chamado Viscero, ajudando os mais velhos com tudo que precisavam. A vida era simples e tranquila… até que fomos atacados por saqueadores em navios vermelhos e pretos."

Ele fechou os olhos por um segundo. Os demacianos permaneceram em silêncio.

"Não tivemos a menor chance. Eu fui levado. Após meses no mar, cheguei em Noxus. Tudo era… grande, opressivo e frio. Não havia nada das belezas naturais tão comuns na minha terra."

Xin Zhao pensa ter ouvido sons abafados de concordância. Um sussurro ressonante, uma voz suave murmurando.

"Como qualquer criança perdida, fiz o que era preciso para sobreviver. Coisas das quais não me orgulho chamaram a atenção dos poderosos. Eles reconheceram minha força, e me transformaram em um lutador. A partir daí, eu me tornei Viscero, o Desafiador."

Ele solta um suspiro e sua voz fica mais suave. "Matei muitas pessoas, muitos adversários. Sem nem saber seus verdadeiros nomes. Quanto mais eu matava, mais a multidão me aplaudia 'Viscero! Viscero!', enquanto os bolsos dos meus mestres se enchiam de ouro. Achei que passaria o resto dos meus dias assim, lutando nas arenas para a satisfação dos outros. Até que Noxus ofereceu ao meu mestre mais ouro do que as arenas jamais trariam."

Xin Zhao arqueou os ombros. "E foi assim que eu vim parar aqui. Seus soldados conhecem o resto da história."

Jarvan III está em silêncio. Todos esperam o rei falar.

"Você viveu uma vida e tanto", diz finalmente o rei. Ele olha para o filho antes de voltar a olhar para Xin Zhao. "Obrigado por compartilhar sua jornada conosco. Eu, e todos os demacianos, temos orgulho de poder libertar você das correntes de Noxus."

O rei acena para um dos guardas, que traz uma bolsa de tecido e a coloca no chão na frente de Xin Zhao. Pode-se ouvir o tilintar das moedas.

"Esta é a bênção de Jarvan, o Terceiro", declara a Capitã-Espada Stemmaguarda. "Há o suficiente para uma semana de viagem. Saiba que errou ao invadir terras protegidas pelo reino de Demacia, mas como demonstração de boa fé, nosso rei lhe concedeu uma segunda chance. Faça bom uso dela."

Xin Zhao olha para a bolsa. Ele não se move. Simples assim? Pegar a bolsa e sair daqui — em paz? Há poucos instantes, ele falou sobre si mesmo da forma mais honesta que já tinha falado, com um estranho que poderia ter acabado com sua vida com um mero aceno de mão.

No entanto, o estranho teve interesse em ouvi-lo. E assim, deixou de ser um estranho.

Não tenho como encontrar a paz, mas talvez eu possa encontrar uma causa?

"Bem", diz a Capitã-Espada Stemmaguarda, apontando dois dedos em direção à saída.

Xin Zhao abaixa a cabeça. "Se me permitir, eu tenho um pedido."

"Fale", diz o rei.

"Gostaria de entrar para sua guarda."

"Que absurdo!”, grita a Capitã Stemmaguarda. Todos os guardas batem as pontas das lanças no chão ao mesmo tempo.

O rei deixa escapar uma risada baixa e se vira para a Capitã-Espada. "Que proposta interessante."

"É claro que não—", começa a Capitã Stemmaguarda, antes de ser silenciada mais uma vez por um gesto do rei.

"Permita que ele se explique", diz Jarvan III com um sorriso no rosto. "Quero entender seu raciocínio."

Xin Zhao levanta a cabeça. Seu olhar encontra-se com o do rei. "Vossa majestade me tratou com misericórdia e honra", começa ele. "Duas coisas que eu não conhecia até agora. No tempo que estive em Noxus, eu lutei por uma causa que não era minha e, durante esse tempo, eu só conheci duas verdades. Vitória significava sobrevivência, e derrota significava a morte. Foi isso que eu aprendi, vendo outros lutadores serem abatidos na arena ou desaparecerem depois de muitas derrotas. Mas você e o seu povo lutam por algo mais. Por algo maior."

Uma brisa balança a tenda. Duas botinhas de couro se raspam uma na outra. Xin Zhao limpa a garganta.

"E eu prefiro morrer lutando em nome da honra do que passar o resto dos meus dias me arrependendo de não ter feito esta escolha."

Jarvan III inclina-se para a frente. Todos os outros permanecem quietos.

"Você fala bem", responde o rei. "Melhor do que alguns dos meus conselheiros, na verdade. No entanto, meus guardas passam por anos, até décadas, de treinamento. Por que devo acreditar que você é capaz?"

Xin Zhao olha para o rei, para o príncipe, para a Capitã Stemmaguarda. Parte dele sabe o que poderia dizer; outra parte sabe o que poderia fazer. Seria essa uma escolha que teria que tomar?

Não.

O destino já havia escolhido por ele.

Ele pega a bolsa com as moedas e a joga na cara da Capitã-Espada. Enquanto ela se recupera, ele dá uma rasteira no guarda da esquerda, derrubando-o no chão. Xin Zhao toma a lança do demaciano e a gira para acertar o guarda da direita. Seu corpo, fluido e ágil, move-se por instinto enquanto sua mente finge estar de volta à arena. Girando a arma uma última vez, ele a aponta contra Jarvan III, deixando a ponta a centímetros da garganta do rei.

O jovem príncipe prende a respiração. A guarda do rei tenta se recompor. A Capitã saca sua espada e os soldados avançam.

Xin Zhao ajoelha-se. Ele coloca a lança no chão sem fazer nenhum som, e oferece seu pescoço. Armas de aço perfeitamente afiadas tocam sua pele.

Tensão se espalha por toda sala. Todos estão olhando para Xin Zhao, que está de olhos fechados, em paz, pronto para aceitar o que vier.

O rei endireita a capa. "Abaixem as armas", ordena ele. "Meu pai costumava dizer que Noxus desperdiçava muitos talentos nas arenas. Agora vejo que é verdade."

"Meu rei", suplica a Capitã Stemmaguarda. "Ele tentou matar o senhor!"

"Não, Tianna", diz o rei. "Ele mostrou que eu poderia ter sido morto. Mesmo diante dos meus guardas mais leais."

"Minhas sinceras desculpas", diz Xin Zhao, sua voz calma e moderada, como uma maré tranquila antes de alcançar a areia. "Foi a única maneira que encontrei para demonstrar que sou capaz."

"E realmente você demonstrou", diz o rei. "Para mim, e para esses guerreiros de Demacia. Pelo visto, eles poderiam aprender alguma coisa com você."

"Não permitirei que a guarda do rei seja maculada por um prisioneiro!", exclama a Capitã Stemmaguarda.

"Quando este homem veio até mim, ele não era mais um prisioneiro." O rei se levanta de sua cadeira. "Demacia foi fundada há muito tempo por pessoas boas que buscavam refúgio dos males deste mundo. A história deste homem me fez lembrar das velhas histórias, do grande Orlon e de seus seguidores. As histórias que meu pai me contava."

Ele olha para o príncipe, que olha de volta, impressionado. "Meu filho, minha maior alegria", diz o rei, "estou muito feliz por você estar aqui para testemunhar este momento. Para ver com seus próprios olhos por que devemos defender nossas virtudes, para que outros possam aspirar fazer o mesmo. Você entendeu?"

"Sim, pai", diz o príncipe, com a voz suave, porém firme.

O rei dá um passo à frente. "Xin Zhao, sua história de vida e sua coragem me deixaram comovido, algo que eu não sentia há muito tempo." Ele se inclina para ajudar Xin Zhao a se levantar. "Apesar de você não ter nascido demaciano, eu permito que você viaje conosco, de volta para o meu reino, onde você provará seu valor e sua lealdade como membro da minha guarda pessoal."

Xin Zhao sente o peso das mãos do rei em seus ombros.

"Não desperdice esta oportunidade."

Xin Zhao olha nos olhos de Jarvan III. E pela primeira vez em muito tempo, ele sente um contentamento tomar conta de seu corpo, como as ondas que costumavam levar o Viscero pelos mares.

 

 


 

 

 

O ar da noite é gélido, aqui tão ao norte de Kalstead. Faltando ainda cerca de uma semana para poder contemplar os muros da Grande Cidade de Demacia, Xin Zhao sai da tenda pensativo. Um rosto familiar vigiava a entrada.

"Ainda acordado?", diz Olber.

"Vou dar uma volta. Não demoro."

Passeando sozinho pelo acampamento, Xin Zhao absorve a natureza de seus novos aliados. Eles são organizados, rápidos em ajudar uns aos outros e a garantir a segurança de suas fileiras. A disciplina deles o faz abrir um sorriso. Ao dobrar uma esquina para contemplar a lua crescente, ele sente uma força súbita tentando puxá-lo.

Seu corpo então é derrubado fortemente contra o chão.

Piscando os olhos algumas vezes, ele recobra a consciência e percebe que foi carregado para uma tenda mal iluminada. A Capitã-Espada o encara de cima. Ao lado dela, há soldados ameaçadores trajando pesadas armaduras.

"Você pode ter caído nas graças do rei, mas eu não o vejo como um demaciano", afirma ela.

Enquanto Xin Zhao se levanta, ela desembainha a espada. Seguindo sua comandante, os outros guardas fazem o mesmo.

"Estarei de olho em você", avisa ela. "Se qualquer coisa acontecer ao rei durante o seu serviço—"

Com as duas mãos, Xin Zhao segura o lado achatado da lâmina dela. "Encare isso como meu juramento a você."

Tianna Stemmaguarda vê, espantada, ele colocar a ponta da lança na própria garganta.

"Se qualquer coisa acontecer", diz Xin Zhao. "Você pode me matar."

Fonte: Site Oficial

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